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PROJETO DE LEI PREVÊ APOIO A MENORES QUE PERDERAM MÃES PARA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O número de mulheres que tiveram suas vidas ceifadas pelo marido, namorado, ex-companheiro ou até mesmo pelo próprio pai se multiplicam no Brasil. No ano passado, o país registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio, o que corresponde a cerca de uma morte a cada 6 horas. De acordo com dados do relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015.

Um dado que o Brasil ainda não tem, no entanto, é a quantidade de crianças que perderam suas mães para a violência doméstica. Não há uma estatística oficial dos chamados “órfãos do feminicídio”, mas, com base na taxa brasileira de fecundidade estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível dizer que pelo menos 2.529 crianças e adolescentes perderam suas mães em 2022.

A cidade de Natal não está livre dos casos de violência contra mulheres e de suas consequências diretas e indiretas. E é para lidar com esses impactos que tramita na Câmara Municipal de Natal um projeto de lei que prevê a criação da Rede Municipal de Acolhida e Proteção às Crianças Órfãs do Feminicídio e Vítimas de Violência Doméstica.

O PL 175/2022 é de autoria da vereadora Ana Paula (Solidariedade). Ela falou ao AGORA RN sobre o propósito da nova lei, que já foi aprovada na Comissão de Saúde da Câmara e passou por uma segunda apreciação do plenário do legislativo na terça-feira 15.

Segundo a autora, a iniciativa foi inspirada em legislações municipais que propuseram acolhimento e ajuda financeira aos “órfãos do Covid”, menores de idade que perderam familiares durante a pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2023.

“A partir daí, nós pensamos e procuramos legislações que falassem sobre os órfãos do feminicídio, porque geralmente é um ex-companheiro ou pai dessas crianças (quem comete o crime), então essas crianças ficam desamparadas sem a mãe e sem o pai”, contou a vereadora Ana Paula.

Segundo o texto da lei, a Rede de Acolhida seria voltada para o “atendimento humanizado” aos filhos menores de idade de mulheres que foram vítimas de feminicídio. No PL, as crianças e adolescentes são consideradas vítimas indiretas desse tipo de crime. O projeto busca instituir prioridade, para os órfãos, no atendimento psicossocial ofertado nos Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) e nos serviços que compõem a Rede a ser criada.

Além disso, o PL também prevê prioridade para matrícula e transferência escolar de crianças cuja genitora possuir Medida Protetiva de Urgência, independente da existência de vaga na Rede Municipal de Ensino de Natal. Na prática, se uma mãe vítima de violência doméstica precisar mudar de endereço para fugir do risco de morte, seu filho terá prioridade em escolas próximas ao novo endereço, caso o Projeto de Lei seja aprovado.

“Quando (as crianças) não têm o amparo da família, dos avós maternos, eles ficam desamparados. E o município, o Poder Público, ele precisa acolher essas crianças”, defendeu a vereadora Ana Paula.

Seria então responsabilidade do poder executivo de Natal regulamentar a lei que institui a Rede Municipal de Acolhida. A vereadora Ana Paula explicou que a lei não prevê os critérios e mecanismos para garantir o funcionamento eficaz da Rede.

“A lei prevê que a execução será feita pelo município, mas ela não tem a fiscalização da própria lei para que se torne eficaz. A gente espera que, pela sensibilidade e o teor da matéria, o município possa implementar a lei e possa fazer esse trabalho de acolhimento dessas crianças órfãs do feminicídio”, disse ela.

A parlamentar mencionou que a intenção é possibilitar a criação de um ambiente de amparo às crianças vítimas indiretas de feminicídio que acabam em situação de vulnerabilidade com a morte da mãe e a prisão do pai. “A gente tinha a intenção de colocar um auxílio a essas crianças, mas como a gente não tinha previsão orçamentária, preferimos não inserir no projeto. Mas colocamos que o município pode regulamentar essa lei e incluir o auxílio a essas crianças, para que se possa ter uma forma de tirá-las da vulnerabilidade”, explicou Ana Paula.

O AGORA RN entrou em contato com a Secretaria da Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (Semul) da Prefeitura de Natal para entender como a pasta avalia os desafios na implementação de políticas voltadas para crianças órfãs do feminicídio e vítimas de violência doméstica.

Segundo o órgão, o grande desafio é a integração das políticas públicas, que precisam acontecer de forma articulada para garantir um acompanhamento integral às crianças e adolescentes órfãs.

Quanto ao PL 175/2022, a pasta comentou que a lei traz uma perspectiva intersetorial na implementação das políticas públicas que contribui para políticas mais efetivas e eficazes. “O olhar atento para as questões relacionadas a violência de gênero mostra o compromisso com a luta pelo fim dessa violência”, informou a Semul.

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